Eu tinha vinte e poucos anos, e ainda estava no princípio daquilo que viria a se tornar minha vida sexual. Um amigo nosso tinha desaparecido na véspera, e após todos os amigos mais próximos terem recebido um telefonema da mãe dele, desesperada com seu sumiço, o encontramos feliz da vida, após, segundo ele, a melhor noite de sua vida. Fascinados, ouvimos ele contar como levou a mulher (sim, mulher, ela era uns dez anos mais velha do que ele) para a cama, como transaram a noite inteira, como ela gozou sete, oito, nove vezes seguidas. Ouvimos o relato em silêncio e respeito. Não sei quanto aos outros, mas aquilo me deixou confuso. Que eu soubesse, mulher não saía gozando assim, a torto e a direito, quanto mais oito, nove vezes seguidas. Ele nos garantia, entretanto: ela havia ido aos céus. Talvez eu estivesse diante de um super-homem. A resposta para as súplicas de todas as mulheres, alguém que não poderia jamais ficar com apenas uma mulher, mas ser generoso e abnegado o suficiente para distribuir um pouco de seu poder junto a todas aquelas em necessidade. Com o tempo, entretanto, descobri que ele não era o único.
Todo homem é bom de cama. Não, é pouco: todo homem é muitíssimo bom de cama. Capaz de fazer uma mulher ir à loucura, literalmente fazê-las subir pelas paredes. As estatísticas devem estar completamente erradas, porque todas as mulheres gozam várias, várias vezes, até pedir para o cara parar.
Incrível, não?
Eu também achava, mas fui obrigado a me render à evidência dos fatos. Afinal, todos os homens que conheço – de amigos a colegas de trabalho, eventuais companhias de bar, qualquer homem com que tenho uma conversa inocente sobre mulheres, sempre me garantiram: toda mulher, na mão deles, acaba delirando de prazer. São verdadeiras máquinas sexuais, profundos conhecedores da libido feminina. E melhor ainda, não brocham nunca. Com eles nunca tem erro. Então tá...
Se alguém me perguntasse se me acho bom de cama (nunca perguntaram, ainda bem) eu iria parar, pensar bem, chegar à conclusão de que não tenho coragem de fazer nenhuma das observações acima, que perto dessas potências de testosterona não sou absolutamente ninguém, daria de ombros e diria, simplesmente: sei lá. Pergunta pra elas. Eu é que não boto minha mão no fogo.
Porque, sinceramente, eu acho que todos mentem deslavadamente nessa história: as mulheres mentem para os homens, e os homens mentem para os outros homens. E se eu não me incluí no rol dos enganados não é porque eu me acho diferente dos outros homens, nem porque me considero acima dessas coisas. É só porque, bom, desenvolvi um modo bastante saudável (a meu ver) pra lidar com minha própria insegurança: sou cínico pacas. Enganado eu até sou, só não dou a menor bola.
Que eu saiba, as mulheres têm uma dificuldade danada em atingir o orgasmo, e contam para isso com parceiros absolutamente inabilidosos. Basta olhar para esses mesmos homens que vivem apregoando suas façanhas sexuais. A maioria não leva o menor jeito de saber sequer conversar com uma mulher, quanto mais dar qualquer prazer a ela.
E a culpa é das próprias mulheres, que mentem para nós. E mentem descaradamente, sem a menor culpa, como se fosse a mais simples e natural das saídas. Mentem sobre nosso desempenho, sobre os caras que tiveram antes, sobre estarem sem vontade, sobre estarem com vontade... já ouvi minha parcela de “eu não queria, mas você me tocou de um jeito...”, “olha, eu quero que você saiba que nunca fiz isso de transar na primeira noite”, e por aí vai. Em defesa das mulheres, eu entendo que já seja algo automático, que elas lidem com uma expectativa masculina que se repete a tempos. Somos patéticos, afinal de contas.
Não sei exatamente quando começou. Talvez com a revolução sexual da década de sessenta, já que antes disso as mulheres provavelmente não falavam nada. Fico imaginando a primeira vez em que um homem tenha virado para a mulher ao seu lado e perguntado, já receoso das mudanças que vinham acontecendo: “E aí, foi bom pra você?”.
Qual deve ter sido a reação dessa mulher? Nunca tinham perguntado isso pra ela, antes. Nem pra mãe dela, nem pra avó. Não era um assunto que havia sido discutido previamente entre ela e suas amigas. Não constava de nenhum manual de sexo. Poxa, nem existiam manuais de sexo ainda, muito menos Nova ou Marie Claire. Diante daquela pergunta absolutamente original, ela deve ter vacilado. O que poderia responder? Lembre-se de que era um momento delicado. Qualquer palavra, qualquer entonação errada, poderia pôr a perder todo o movimento feminista. Voltariam à idade da pedra. Ela não tinha opção. “Foi maravilhoso, amor. Foram os três minutos e meio mais intensos da minha vida”. O mundo ocidental estava a salvo.
A partir daí virou, mais ou menos, uma regra. Grite bastante, elogie bastante, e o cara vai ficar feliz. “Homem nenhum me fez sentir assim antes” e “Isso nunca aconteceu comigo antes” se tornaram as palavras-chave da relação homem-mulher. E ainda tem gente que se pergunta como fomos chegar a esse ponto de estranhamento entre os sexos...
E nessas horas agradeço ao meu cinismo, que me fez desenvolver duas máximas que defendo com unhas e dentes.
Primeira: Nunca tive problema com brochada, em toda a minha vida.
Verdade. Brocho sem problema algum. Não tenho nenhum problema em admitir isso, e também, folgo dizer, não é um problema médico. As vezes em que o amigo lá embaixo não cooperou foram infinitamente menores do que as vezes em que ele estava bem-disposto (valeu, amiguinho). Mas as vezes que não rolou, não rolou. Fazer o quê? Tudo bem.
Sempre achei curiosa essa obsessão com o rendimento total. Todo mundo que eu conheço tinha nota ruim na escola, já deu uma batidinha no carro, já perdeu a hora alguma vez na vida, já bebeu até passar mal, já apanhou alguma vez na vida. Pra tudo na vida se aceita falhar de vez em quando, menos pra isso. Por quê?
Primeiro, que eu e meu amigo lá embaixo temos cabeças distintas, que nem sempre concordam. Às vezes estou afim e ele não, às vezes é o contrário. E aprendemos a respeitar a vontade um do outro, sempre. (OK; quase sempre. É verdade que ele já me colocou em situações constrangedoras, na praia, por exemplo). Segundo, que não acredito nessa cobrança toda, o psicológico também faz a sua parte e às vezes não ajuda. Se não estou completamente à vontade, se estou me sentindo pressionado apenas porque pintou uma oportunidade mas não estou realmente querendo (aliás, de onde vem esse papo de que o homem tem que querer sempre?), se tem alguma coisa me incomodando, páro e pronto.
Também nunca tive problema com mulher nenhuma por causa disso. Todas elas sempre aceitaram na boa, seja pra ficar brincando mais um pouquinho ou mesmo pra deitar e dormir. Só uma vez a garota se revoltou, ficou histérica, achando que o problema era com ela e cobrando outra postura. Acabei desencanando dela, especialmente porque, se alguma vez na vida eu tive um bom motivo para falhar, foi aquele.
Quem melhor exemplificou a coisa foi um amigo meu, ao ouvir do irmão que este nunca tinha brochado na vida: “Pô, eu brocho até sozinho”.
Segunda: Mulher nenhuma jamais fingiu gozar comigo.
Sempre que não gozam, reclamam. Não, não é ingenuidade minha. Sei que, se elas quisessem, poderiam perfeitamente ter me enganado. Mas a maioria absoluta nunca disse que gozou. E as poucas restantes que fizeram os gestos e gemidos apropriados, bom, estas sempre deixaram bem claro quando NÃO chegavam lá. Uma ex-namorada ficava tão indignada que chegava a brigar comigo, reclamando que ela tinha direito à vez dela, nada disso de deitar de lado e dormir. Nada mais justo, por sinal.
Ainda não acredita? Vamos lá. Meu primeiro namoro de verdade durou nove meses. Ao longo desse tempo todo ela disse ter atingido o orgasmo exatamente... zero vezes. Uau, você vai dizer. Cara de sorte, eu sei. Não pela minha incompetência, claro, mas pelo fato dela jamais ter precisado mentir. Já não lembro direito se ela tinha mesmo dificuldade ou se era pura inexperiência minha, mas o fato é que ela também nunca se queixou. E eu acreditava nela. Idem com as duas ou três mulheres seguintes (talvez esse número seja um pouco maior, admito), era gostoso e tal, mas não rolava.
Na primeira vez que uma mulher gozou, de fato, isso me pegou tão de surpresa que eu não fazia idéia do que estava acontecendo. O corpo dela ficou tremendo inteiro, não deixou que eu a tocasse e, quando tentei conversar, pediu pra ser deixada uns cinco minutos em silêncio. E eu ali, confuso pacas, com medo de que tivesse feito alguma coisa errada... Com a garota seguinte também foi evidente porque dessa vez ELA não sabia o que estava acontecendo: era a primeira vez que atingia um orgasmo.
Meus relacionamentos seguintes foram todos longos – com algumas poucas exceções nos intervalos – e se tiveram o mesmo grau de sinceridade daquele meu primeiro namoro, tiveram também a vantagem de ser também extremamente francos. Nunca tive problemas para pedir a ajuda delas, e elas também nunca tiveram problemas em dizer. Inclusive a que reclamava. Ainda tenho muito a aprender (a quem estou querendo enganar? Sempre terei), mas isso serve de lição: se as mulheres mentissem menos, seríamos homens melhores.
Aliás, sempre achei engraçada essa reclamação feminina de que os homens, depois que gozam, deitam e dormem, que a mulher quer carinho, conversa, essas coisas. A verdade é que todo mundo, quando goza, só quer deitar e dormir, mulheres inclusive. Nada mais justo, o orgasmo dá aquela moleza, aquela sensação de paz que leva o corpo a uma letargia gostosa, seguida de sono. O problema é justamente que as mulheres, em geral, não gozam, seja antes, junto ou depois do parceiro, e fica aquela sensação de que está faltando alguma coisa. É lógico, eu também fico assim, com cara de quero mais, se minha parceira goza, relaxa e me deixa, literalmente na mão. As mulheres não querem conversar mais. Elas querem é gozar mais.
O que eu não quero é que aconteça comigo o que aconteceu com aquele meu amigo que fez a mulher gozar oito, nove, vezes. Algum tempo depois soubemos a versão dela da história: ao perguntar a ela como havia sido, a mulher fez uma cara de pouco caso e juntou o polegar e o indicador dando a medida de seu parceiro e, provavelmente, de seu desempenho.
Ele não precisava disso.
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2 comments:
1 ano depois e nada
???
Fica dificil :P
Ótimo texto, Rene. Parabéns.
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