Wednesday, October 27, 2004

A mulher de vinte

Ao longo de meus vinte anos, num período que abrangeu, de um modo geral, dos meus dezenove a meus vinte e nove anos (tecnicamente, desde o começo de minha vida sexual ativa), sempre preferi mulheres mais velhas ou que tivessem, pelo menos, minha idade. Por dois motivos principais: primeiro, eu achava que mulheres mais novas eram imaturas demais, haveria na diferença de idade uma diferença cultural intransponível (como namorar uma garota que não tivesse ido ao primeiro show do Ultraje a Rigor, ou pior, nem soubesse o que era o Ultraje a Rigor). Segundo, mulheres mais velhas – o limite era de até dez anos mais velhas – eram muito mais atraentes, tinham a vantagem de mais vivência, mais experiência, uma experiência que poderiam passar para mim. Boa parte de meus amigos compartilhava de minha opinião. Para mim era até pior: com uma irmã quatro anos mais nova, com quem não me dava bem, qualquer garota mais nova passaria insuportavelmente perto da idéia de ser uma das amigas dela.

Ao mesmo tempo eu tinha amigos mais velhos, trintões, que invariavelmente se interessavam ou namoravam garotas em seus vinte anos ou – sacrilégio – menos. Me parecia inadmissível eles saírem com meninas que eu considerava novas demais para mim. E nunca deixei de pegar no pé deles por causa disso, recebendo as mais variadas reações: desde ser solenemente ignorado, até um complacente “calma, você chega lá”.

A última vez que isso chamou minha atenção foi numa festa em 2000 – quando eu estava justamente no limite de meus vinte e poucos. O aniversariante comemorava seus trinta e um anos junto com a namorada, de “apenas” dezenove, e a festa estava dividida entre os amigos dele – todos beirando ou recém-passados dos trinta, e os dela – fedelhos de dezenove e vinte aninhos. Eu conversava com uma amiga comum quando em determinado momento isso nos chamou a atenção, de tão evidente era a segregação entre os dois grupos. Ela também achava um absurdo ele namorar uma menina tão mais nova. Por mais que gostasse dele, não era capaz de aceitar ou achar normal. Nunca mais haviam saído juntos, desde que ele começou a namorá-la, certamente para poupar o constrangimento: de que forma a menina poderia participar da conversa de um grupo dez anos mais velho do que ela? Aliás, sobre o que, afinal, os dois conversavam, quando estavam juntos? Sobre as bonecas que ela colecionara até pouco antes de começarem a namorar?

Não era puro preconceito, tentávamos argumentar. Havia uma geração inteira entre nós. Sim, em nossa conversa, era muito clara a distinção entre “nós” e “eles”: “nós” éramos fruto da década de 80, dos tênis quadriculados e de vitrola ao som de Paralamas e Barão Vermelho, de E.T. e Caçadores da Arca Perdida, do Analista de Bagé e Operação Cavalo de Tróia (ok, nem tudo era perfeito). “Eles” eram fruto da década de 90, da... sei lá o que foi moda, mas de Austin Powers e Nirvana, de Paulo Coelho e A Profecia Celestina, e provavelmente nunca pegaram em um disco de vinil, a não ser o de seus pais. A coisa piorou quando o aniversariante começou a tocar Legião, e pessoas de ambos os grupos passaram a cantar junto. Ei, peraí! Essas músicas são NOSSAS, protestamos. “Nós” havíamos dançado ao som de Tempo Perdido, “nós” havíamos ido aos shows. Como “eles” ousavam conhecer essas músicas? Era como quando cantávamos Raul Seixas ou 14 Bis, de orelhada, por influência de nossos irmãos mais velhos. “Nós” havíamos vivido aquilo; “eles” só pegaram a rebarba. Não havia modo algum das duas gerações se mesclarem.

Pouco tempo depois eu já havia mudado completamente de opinião.

Há algo mágico na passagem dos vinte e nove para os trinta anos. Por mais que se tente colocar na cabeça que é apenas mais um ano, e que a mudança de dois dígitos ao invés de um é algo completamente arbitrário, na verdade provoca uma grande mudança. Para melhor, devo admitir. O pior de fazer trinta anos é a expectativa – depois se descobre que é aí que fica bom. Para o homem, pelo menos. A primeira mudança é quase instantânea: o interesse por mulheres de vinte. Aconteceu comigo, aconteceu com praticamente todos os meus amigos mais próximos. Até amigos gays passaram por isso: passaram para jovens semi-imberbes, ou quase (a primeira vez que um amigo meu apareceu com o namorado barbado em casa protestei, revoltado: namorar homens, até vai. Mas barbudo já é demais).

O interesse por mulheres de vinte, vale dizer, é recíproco: as mulheres de vinte também preferem homens de trinta. Como um amigo meu disse certa vez, tirado sabe lá de onde: quando temos vinte anos nos perguntamos onde estão as mulheres. Quando a gente chega aos trinta, descobre.

Há, na verdade, uma explicação bem simples para isso, para ambos os casos, da qual nenhuma das partes menos favorecidas irá gostar muito: primeiro, mulheres de trinta são muito chatas. Segundo, homens de vinte são muito infantis.

Aos vinte anos somos patéticos, lamento dizer. Crianças grandes, pobres reflexos das mulheres de mesma idade (sim, perceba a sutil diferença: eu chamava as mulheres de vinte de garotas, agora já as chamo de mulheres). Pra começo de conversa, ainda estamos engatinhando quando o assunto é o sexo oposto. Sim, conseguimos namorar, até mesmo um sexo ocasional. Mas daí a entender o que se passa na cabeça das mulheres... não que aprendamos com o tempo, mas na base da tentativa e erro deixamos de errar tanto. Nossos sucessos, de um modo geral, são muito mais fruto de sorte e desespero do que conhecimento propriamente dito. Somos, em uma palavra, inseguros. Para nós a vida está apenas começando.

Já, aos trinta... o homem está mais maduro, já viveu um pouquinho, teve chance de amadurecer mas ainda está jovem o suficiente para curtir a vida. Mais, até: aos trinta, já conquistou – num mundo ideal – uma certa independência financeira, pelo menos neste caso particular está solteiro e relativamente sem compromissos, por isso pode se deixar ao luxo de ter todos os brinquedos que queria ter quando criança mas não podia, de acessórios para o carro ao som mais moderno, passando por toda sorte de equipamentos eletrônicos. É impressionante como as mulheres passam a nos dar bola, depois que fazemos trinta (especialmente as de vinte). É como se passássemos a exalar um aroma especial, de repente ficamos mais atraentes, mais charmosos.

O homem está, afinal, em seu momento mais interessante.

E a mulher? Bom, a mulher de trinta está totalmente paranóica, lamento dizer. Precisando consolidar a carreira profissional ao mesmo tempo em que a preocupação em se casar e ter filhos chega ao seu auge. OK, nos dias de hoje as mulheres podem ter filhos até os quarenta anos, sem problema. Diga isso pra elas: o relógio biológico está apitando mesmo assim. Seu momento é de insatisfação total. Claro, há aquelas que não estão nem aí pra isso, curtem a vida do mesmo modo, muitas nem pensam em ter filhos, mas novamente não é das exceções que estou falando, e sim da imensa maioria. Não é uma questão consciente; talvez não seja nem esse o problema. Este reside, seja qual for a causa, no fato de que ela, que exalava tanta segurança, de repente ficou insegura. Precisando de algo que definitivamente não possui.

Já a mulher de vinte está em seu melhor momento. Primeiro, já é maior de idade, pode fazer o que bem quiser com a vida. Não tem tantas preocupações com o corpo, tirando as de sempre: ao menos não está preocupada que o corpo já começa a pedir arrego. Sabe bem o que quer da vida, e é bem mais amadurecida do que o homem de mesma idade. Para ela a vida também está começando, mas no melhor sentido: já está pronta para usufrui-la plenamente. Ela exala, justamente, a segurança de quem pode querer o que quiser da vida, com a crença de que irá conseguir.

Percebe? A principal diferença entre o homem e a mulher é que este leva dez anos para chegar aonde a mulher já chegou há muito tempo. Pode parecer injusto, mas é verdade. Há uma compensação para nós: nessa passagem de tempo, o homem vai da insegurança para a segurança. A mulher deixa de se tornar uma pessoa segura para se tornar insegura. Não sei o que acontece quando ambos chegam aos quarenta; talvez ambos se equivalham. Quando eu chegar lá, descubro.
Para contrariar isso tudo há a tese de que o auge sexual masculino é aos dezoito anos, e da mulher é aos trinta. Pouco me importa, pelo contrário: se for mesmo o caso, que as mulheres de trinta se satisfaçam com seus equivalentes hormonais. De qualquer modo nós, trintões decadentes, estamos ocupados demais com garotas de vinte, e assim todo mundo fica feliz.

1 comment:

Troiana said...

Achei que os homens de trinta se interessassem também pelas mulheres de trinta, porque para mim, é na casa dos quarenta que eles começam a olhar com mais atenção pras menininhas de vinte...