Wednesday, October 27, 2004

A mente alienígena

Homens e mulheres são de espécies diferentes. Até aí, nada demais: dezenas de artigos e livros sobre ambos os sexos vivem reafirmando isso. A diferença é que eu acho que são de espécies diferentes mesmo, literalmente.

Certa vez me contaram uma história interessante. Por toda a Inglaterra abundam esquilos, nos parques, florestas, estradas. Esquilos grandes, cinzentos. Vivem sendo fotografados por turistas como parte do “cartão postal britânico”. Pois bem, esses esquilos não são originários da Inglaterra. Vieram junto com os invasores europeus, e lá encontraram o local ideal para se proliferarem. O ponto é que a Inglaterra já possuía seus próprios esquilos: pequenos, de pelo avermelhado, estes sim originários da ilha. Hoje estão quase extintos, ou só existem em reservas: foram quase que completamente aniquilados pelos cinzentos, que lhes tomaram o lugar.

Quando escutei isso minha teoria tomou forma.

No princípio, éramos duas espécies diferentes, mesmo. Não estou falando da briga entre neandertais e cro-magnons ou das possíveis diversas outras raças de hominídeos que teriam resultado na nossa, e sim de duas famílias evolutivas que jamais se encontraram até determinado momento histórico: o momento em que todos os homens da raça de onde descendem as mulheres morreram por algum motivo, e todas as mulheres de nossa raça foram igualmente extintas. E não houve outro jeito senão nós, homens aleijados, procriarmos com as mulheres deles. Porque – aí está a pegadinha – éramos semelhantes o suficiente para podermos crescer e multiplicar, mas as semelhanças acabaram por aí. Éramos – somos -, afinal, de espécies diferentes. O que explica boa parte da confusão em que estamos metidos desde então.

Há vários argumentos que suportam esta teoria. Homens têm um raciocínio espacial melhor que as mulheres, que por sua vez são muito mais objetivas. Homens têm uma visão de todo melhor, enquanto a mulher é muito mais atenta a detalhes. Homens se interessam por bugigangas eletrônicas, enquanto que mulheres têm um fetiche especial por sapatos. As diferenças são intermináveis, e não é questão de defender que uma característica seja melhor do que outra, de modo algum: o ponto, aqui, é que somos diferentes. Aliás, ponto a favor da diversidade, ainda bem que é assim, já que desse modo um ajuda a compensar as deficiências do outro.

Essas diferenças são físicas, também, o que apenas corrobora a idéia de espécies diferentes. Li um artigo, numa dessas revistas semanais, que um estudo genético sobre ambos os sexos concluía que o DNA da mulher era cerca de cem mil anos mais antigo do que o do homem. Sei lá se isso é mesmo verdade (sou sempre desconfiado dessas “descobertas” da ciência, mas que ajuda a corroborar minha tese, ajuda. As mulheres amadurecem muito antes dos homens, enquanto que estes envelhecem muito melhor. O período fértil da mulher acaba bem antes do do homem. As mulheres tendem a morrer depois, por sinal as doenças a que ambas as espécies estão mais sujeitas também são bem diferentes. O auge sexual da mulher é aos trinta, o do homem é aos dezoito. O tempo que um homem leva para “chegar lá” é bem menor que para a mulher, aliás os orgasmos feminino e masculino não têm quase nada em comum. A própria expectativa em relação ao bom e velho sexo tende a ser extremamente diferente. Exceções à parte – sempre as exceções – em nenhum momento da vida homens e mulheres estão no mesmo estágio. Pensando desse modo, é inacreditável que tenhamos chegado até aqui. E, por outro lado, ajuda a explicar como chegamos aqui, desse jeito.

Mas todas essas diferenças entre homem e mulher são fichinha perto dos problemas que enfrentamos no dia a dia. É ponto pacífico: um homem jamais será capaz de entender como uma mulher pensa. E vice-versa, dizem elas, embora eu tenha a franca impressão de que somos muito mais simples – o que não chega a ser uma vantagem, pelo contrário: nossa simplicidade chega a ser grosseira, aposto muito mais nas sutilezas femininas como resultado desses cem mil anos a mais de evolução, ainda que isso apenas as torne incompreensíveis. A nosso favor posso dizer que um homem sempre será capaz de entender a atitude de um outro homem, enquanto que a mulher nem sempre é capaz de entender o que leva outra mulher a agir do jeito que agiu.

Tenho um exemplo clássico, que sempre uso quando defendo a tese de que a mulher age por uma lógica completamente independente da nossa (ou, em outras palavras, não faz o menor sentido), e outras mulheres dizem que isso não é verdade. O exemplo é o seguinte: dez anos atrás conheci uma garota numa festa, começamos a conversar, e ao que tudo indicava, ela estava me dando bola. Eu estava a ponto de lhe dar um beijo quando, casualmente, ela disse estar noiva. E me mostrou a aliança. Entendi isso como um sinal de manter distância, ela estava apenas conversando comigo, desde quando um homem e uma mulher não podem conversar sem que haja qualquer interesse sexual? Desde aquele momento, concluí, porque ela realmente estava me dando a maior bola. Não era possível que eu pudesse estar tão enganado, e umas duas horas depois (ou assim parecia) não agüentei mais e resolvi arriscar: no meio da conversa, dei-lhe um longo beijo, ao qual ela, ao invés de protestar, não apenas contribuiu como ainda reclamou: “Por que demorou tanto?” PORQUE VOCÊ DISSE QUE ESTAVA NOIVA!, pensei em protestar, mas deixei pra lá. Naquele momento já estava ocupado demais para discutir.

Todas as vezes que contei esta história para outra mulher, ou ela concordava comigo (“é, mulher é bicho complicado, mesmo”), ou dizia que entendia perfeitamente a atitude da noiva e tentava me explicar. Nunca ouvi duas explicações iguais.

A verdade é que tentar entender como uma mulher funciona é não apenas uma tarefa fadada ao fracasso, como também pode ser fonte de eternas frustrações. O melhor, na maioria dos casos, é deixar pra lá, aceitar como uma questão de fé e jamais procurar qualquer embasamento lógico, ou pelo menos de lógica masculina.

A verdade é que isto não é totalmente ruim. Não há nada de mais fascinante do que o desafio de encontrar um denominador comum entre um homem e uma mulher, aquele momento de calma (e, geralmente, bastante sexo) em que as duas espécies se entendem. Criatividade, afinal, é isso: pegar duas coisas aparentemente desconexas, combina-las e chegar a uma terceira, diferente.

A melhor metáfora que já encontrei para isso está num conto de Phillip K. Dick (que com certeza não estava pensando nisso quando o escreveu), chamado justamente de “A Mente Alienígena”. Nele, um astronauta é mandado para um planeta travar contato com uma raça alienígena. Ele tem como companhia apenas um gato, que o irrita tanto que ele acaba matando-o. Quando ele chega ao planeta, os alienígenas perguntam a ele onde estava o gato. Ele diz que o matou, os alienígenas cortam o papo e o mandam embora. Já na viagem de volta ele descobre que apagaram todas as bibliotecas da nave exceto as que falavam de gato, quebraram o sistema de comunicação para que ele não pudesse falar com a Terra, e substituíram toda a comida da nave por... comida de gato. Era, ele concluía, a vingança que os alienígenas armaram para ele. Por quê? Com que fim? Ele não conseguia entender. Mas quem, conclui Dick, pode entender a mente alienígena?

Phillip K. Dick entendia de mulheres.

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