Aconteceu alguns anos atrás. Havia sido convidado para o aniversário de um amigo. Amigo é exagero: fazíamos a mesma faculdade, e ele tinha sido o primeiro namorado de meu melhor amigo quando este resolveu assumir (por si só uma história ótima). Resolvi ir por uma questão prosaica: ele tinha uma irmã muito gatinha, por quem eu estava bastante interessado. Fui, mesmo sabendo que a maioria de nossos amigos comuns não estaria na festa.
Chegando lá, a primeira decepção: a irmã não estava. Desnaturada, pensei. Que absurdo, faltar ao aniversário do próprio irmão. Como ela podia fazer isso com... bom, comigo. Olhei em volta, a festa não estava nem um pouco animadora: festa estranha, com gente esquisita. Quase ninguém com quem conversar, umas poucas pessoas conhecidas, desinteressantes. Decidi que ficaria pouco, fui dar uma volta, fui parar na cozinha. Lá tinha um quadro-negro pequeno, provavelmente de recados, onde alguém inspirado havia escrito, de modo didático:
ESTA FESTA:
50% BI
30% GAY
15% LÉSBICAS
5% ARGHHHHHHHH
Eu era, não tive dúvidas, os 5% arghhhhhh. Era minha deixa, me despedi do aniversariante (mais para pegar instruções de como ir embora, que caminho nunca foi meu forte), e me mandei.
É quase um defeito grave, ser hetero. Significa que não temos a menor noção estética, nunca deixamos a adolescência e somos incapazes de dar a uma mulher o que elas querem: alguém que elogie suas roupas ou seu novo corte de cabelo, como se tivéssemos a menor noção do que devemos responder. Somos ridicularizados, vilipendiados (sempre quis usar vilipendiados), menosprezados e subestimados. As campanhas de marketing cada vez mais valorizam os gays, as mulheres e as crianças – todo o poder de compra, aparentemente, está nas mãos deles. Os programas de TV mais modernos, os bacanas e de vanguarda, são sobre o universo feminino ou gay. As mulheres têm seu Dia Internacional. Os gays têm o do seu orgulho. Ser hetero nunca foi mais out. E estar “out” nunca foi tão in.
Não que não mereçamos isso. Foram séculos e séculos de dominação, opressão, açafrão (açafrão?). Antigamente, mas antigamente mesmo, era diferente: as religiões veneravam a Deusa em suas várias formas, as sociedades eram matriarcais. Aí vieram os homens e mudaram tudo isso, foram dominando através de guerras e violência, impondo sua força, sua liderança e seu poder aquisitivo, que culminou com o corpo estirado no sofá da sala, bebendo cerveja e assistindo futebol. Séculos de dominação para chegar a esse apogeu glorioso. Aí, bom, aí foi a vez das mulheres virarem o jogo, e na sequência nossas próprias fileiras foram desertando. Dá até pra entender...
Agora estamos assim, sem espaço, e é quase uma ofensa ser homem. Desculpa, por sinal. Não quis ofender...
Parece exagero da minha parte?
Existe o lado bom. Isso fez com que nos tornássemos, acima de tudo, caras tolerantes. Discriminação contra minorias? Eu sei muito bem o que é isso. Faço parte de um grupo extremamente perseguido. Não me venha com esse papo de oprimido, de discriminação social. Eu entrei pro time, baby. Eu e todos os (poucos) homens heteros que ainda andam por aí. Depois de anos e anos como a classe dominante, agora estamos experimentando ficar do lado mais fraco.
Vão dizer que é um absurdo eu querer comparar a situação do homem atual com a das minorias verdadeiramente perseguidas através da história (não vou citar exemplos pra cair na bobagem de deixar alguém de fora). Verdade absoluta. Por isso não estou comparando, de maneira nenhuma. Não há dúvida de que passaram por abusos e horrores muito piores do que ser desprezado numa festa chata. Só estou falando que, independente de qualquer outra coisa, agora os oprimidos somos nós.
Certo, pode até PARECER que não é bem assim, já que os homens ainda ganham mais do que as mulheres, que ainda ocupamos os principais cargos de poder. E daí? Estou falando uma questão de prestígio, de status. Somos aquele chefe que grita e pode te demitir, mas que é ridicularizado pelos funcionários quando não está vendo, que não é convidado para as festa de aniversário e que ninguém nunca quer tirar no amigo oculto. É triste, ok? É muito chato. Pode não parecer, mas homem também fica magoado. Não espere que eu saia por aí chorando, mas... mas... espera, me emocionei. Onde eu estava, mesmo?
Nunca foi tão difícil ser homem. Hmmm... escolha errada de palavras. Ser homem – e hetero – é fácil e natural (e pelamordedeus, não estou dizendo que ser gay é antinatural, é igualmente certo, ok?). O difícil é ter que responder por tantas responsabilidades e dívidas para com a sociedade. Ainda assim, é um fardo que aceitamos com resignação; Somos uns poucos que resistem bravamente, cônscios de nossa responsabilidade para com as gerações futuras. Para com a preservação da espécie. E, mais importante, alguém tem que deixar a tampa da privada levantada, só para as mulheres poderem reclamar. E esse papel cabe a nós. Os perseguidos. Os teimosos. Os mal-vestidos.
Se a história servisse de lição, seríamos tratados com um pouco mais de magnanimidade por todas aquelas que tiveram que queimar sutiãs em praça pública (por sinal nunca tiveram, é apenas uma dessas ficções que viraram fato), por todos os Oscar Wilde da vida que tiveram que fugir para a França para não serem presos. Não seríamos discriminados por nossos comportamento vis e abjetos, e sim tratados com a complacência e severidade branda com a qual já nos acostumamos, de nossas mães a nossas mulheres. Poderíamos desfilar com nossas camisas xadrez e nossas pochetes sem sermos censurados. Seria o paraíso.
O lado bom é que é cíclico. As mulheres já tiveram a vez dela e a perderam, uns três mil anos atrás. Os gregos demonstraram que o barato do momento era curtir rapazinhos imberbes, e essa moda também passou. Nós teremos nosso lugar novamente. Provavelmente não de destaque, e ainda bem porque estou cansado desse sobe e desce (mas apenas DESSE sobe e desce), mas acho que dá pra todo mundo ter seu espaço, sem discriminação.
Homem também é gente.
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