Rodinha de bar. Qualquer rodinha de bar. As mulheres falam – nossa, eu amo Sex and the City. É maravilhoso. É sensacional. Eu sou a Carrie, claro. – E começam a discutir seus episódios favoritos. Os homens falam – eu odeio Sex and the City. Não me fala dessa bobagem, não quero chegar nem perto. – Alguns admitem que gostam, mas à medida que o seriado foi ficando mais popular a média tem diminuído. Já vi essa discussão acontecendo dezenas de vezes. Não é, pra falar a verdade, um tipo de discussão nova. Friends e Seinfeld (o que eu posso fazer, só ando com gente que gosta de TV a cabo) causavam polêmica semelhante. A diferença é que essa polariza homens e mulheres.
Isso por uma razão muito simples. As mulheres são pessoas sensíveis e inteligentes, como as personagens da série, por sinal, que se emocionam e se reconhecem ali. Aliás, na Carrie, sejamos francos. Já os homens são brutalhões ignorantes, sem capacidade de compreender o universo feminino e que, no fundo, morrem de inveja por não terem algo semelhante para assistir. Tirando o futebol, talvez, mas não é a mesma coisa.
Quanto a mim, bom, eu ficava mais ou menos no meio do muro. Admito que curti bastante as duas primeiras temporadas – vistas quase de ponta a ponta, em DVD. Nunca tive saco pra acompanhar semanalmente, o que já diz muito. Admito, também, que assisti a terceira já com um certo enfado, achando tudo muito repetitivo. Admito finalmente que comprei as quatro primeiras temporadas, e que só não comprei a quinta porque ainda não tive saco de assistir a quarta. Então acho que isso me dá uma certa isenção pra falar a respeito.
Meu episódio favorito de Sex and the City não é um episodio de Sex and the City, e sim dos Simpsons. Nele, Marge esta tendo problemas de relacionamento com Homer – nada de mais, ela não consegue dormir porque ele ronca muito alto – e vai pedir abrigo uma noite na casa de suas irmãs, Selma e Patty. Chegando lá, encontra as duas diante da TV, fumando feito chaminés, as pernas por depilar, bobs no cabelo, solteironas chegando aos quarenta sem muitas alternativas amorosas. Mas felizes da vida, assistindo a Sex and the City. E comentando – adoro esta serie, ela realmente reflete nossas vidas. Ahã.
Foi o retrato mais fiel que já vi não da série, mas de sua espectadora média. Não estou dizendo que todas as mulheres que assistem e se encantam com o seriado são como as duas, e sim que NENHUMA dessas mulheres são como Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte. Por uma razão muito simples: essas quatro mulheres não existem. O mundo em que vivem não existe. Aqueles homens não existem (com exceção de um, mas chego nele daqui a pouco). E, ainda que tudo isso existisse, elas jamais seriam amigas.
Sex and the City é o seriado de fantasia mais irreal jamais visto, e esta é justamente a fonte de seu sucesso. Não importa que tenha se baseado no livro de uma jornalista, que os episódios falam de lugares reais de Nova Iorque, ou que ele se pretendesse um retrato fiel da mulher solteira e emancipada das grandes metrópoles. E tudo bem, mesmo. Não tenho nada contra a fantasia, muito pelo contrário. Tenho certeza de que se a série fosse um tiquinho realista que fosse, teria fracassado completamente. O que eu acho engraçado é que todas as mulheres que o assistem falam sobre o quanto é “real”.
Dê uma olhada no mundo em que elas habitam. Todas vivem bem, em excelentes apartamentos de Manhattam. Têm bons empregos charmosos, freqüentam todos os restaurantes e bares e boates da moda. Mas o melhor de tudo são os caras que conhecem. Com raríssimas exceções, são ricos, lindos, jovens, bem-sucedidos. Cansei de contar os jornalistas e advogados e – meu preferido – corretores da bolsa que conheceram ao longo destes cinco anos. Isso porque são unânimes em afirmar que não há homens disponíveis. Só se for para o restante da população feminina, porque elas pegaram todos.
Tenho um amigo – americano, o que lhe garante alguma credibilidade nesta questão – que me garante que esse tipo de universo realmente existe, é típico de uma certa Nova Iorque. Bom, pode até ser. Mas isso só significa que a série retrata fielmente um grupinho muito, mas muito elitizado mesmo, de mulheres. É como se fizessem uma série sobre o Marajá de Brunei, e dissesse que ela representa o indiano médio.
Talvez eu esteja me excedendo um pouco. Talvez os criadores da série jamais tenham tido essa pretensão, apesar de por alguma razão quase toda mulher que assista TV a cabo se identifique com elas (quer dizer, com a Carrie). Afinal, basta dar uma olhada nas personagens para ver que elas não passam de um bando de estereótipos. Samantha faz o gênero ninfomaníaca, um homem de saias. Pega tudo o que se move. Charlotte é a pudica, a pura, a envergonhada. E ah, sim, a romântica. Miranda é a cínica estressada e desconfiada. E Carrie, bom, um prêmio para quem conseguir dizer quem é Carrie, além de ser absolutamente obcecada por sapatos. Como boa protagonista, é a única que não tem uma característica marcante. Pode-se dizer que é uma antropóloga sexual. Pode-se dizer que é uma mulher tentando conciliar a vida profissional com a amorosa. Que se divide entre as vantagens da vida de solteira e da comprometida. Pode-se dizer qualquer coisa, na verdade, porque seus criadores a deixaram intencionalmente vaga, de modo que qualquer mulher pudesse se identificar com ela. É por isso que toda mulher conhece uma Charlotte, uma Miranda, uma Samantha – mas ela, claro, é Carrie, sempre. Como já dizia aquele cara namorado da Simone de Beauvoir, o inferno são os outros.
Mas os estereótipos não se restringem às mulheres. Os convidados masculinos são tão estereotipados quanto. Além dos convidados eventuais, que em sua grande maioria se restringem ao modelo que citei anteriormente, vale destacar os personagens fixos. Stanford, o amiguinho gay que, veja só, passa pelos mesmos problemas que elas para arrumar namorado. Mr. Big, o grande interesse romântico de Carrie, é o homem com quem toda mulher sonha: podre de rico, charmoso, elegante, inteligente, bem vestido, levemente cínico, com um certo medo de se comprometer. Grande e moreno, claro, e certamente misterioso, a tal ponto de seu nome só ter sido revelado no ultimo episodio. Aidan, o outro namorado fixo de Carrie, faz o tipo oposto: é o cara que todas as mulheres dizem que querem, mas que no fundo, no fundo, não dão o menor valor. Caseiro. Companheiro. Bonzinho. Fiel. Doce. O tipo de homem perfeito, até que conhecem alguém como Big. Os outros exemplos são ainda mais estereotipados. O garanhão incapaz de permanecer fiel apesar do mulherão que tem em casa. O médico rico e bem-sucedido que não consegue uma ereção. O modelo lindo sem nada na cabeça. O nerd completo, sexualmente um zero à esquerda. O adolescente maconheiro. O músico hedonista. Claro, a artista lésbica. Uma infinidade de outros com as mais variadas bizarrices sexuais. Para comentar alguns, só de lembrança. Dessa galeria toda, só um se salva: Steve, o barman namorado de Miranda. Pra começo de conversa, que alívio descobrir que ele não é o dono do bar em que trabalha, apenas um reles garçom. E mesmo assim com personalidade. Espera alguma coisa da relação. Não tem nada que o desabone, nenhuma peculiaridade estranha. Um cara normal, de verdade. Ele é tão real que até destoa dos demais. Parece deslocado da série. O que ele, afinal, viu numa chata como Miranda?
Da pra entender por que é que os homens não conseguem gostar da série? Primeiro, porque não tem um só personagem masculino com quem possamos nos identificar. Segundo, porque não tem uma só dessas mulheres que dá pra falar – queria uma mulher assim. Provavelmente iria pra cama com todas, claro, embora Charlotte certamente deva deixar muito a desejar. Mas me relacionar? Com uma dessas quatro malucas? Esquece!
Antes que eu seja chamado de brutalhão ignorante, sem capacidade de compreender o universo feminino, deixa eu propor um pequeno teste pra deixar bem claro por que é tão difícil pra um homem gostar, sinceramente, de Sex and the City. O teste é bastante simples – vamos inverter os sexos dos personagens. Vamos imaginar uma série igualzinha, mas masculina.
Charles, a versão masculina de Charlotte, é aquele cara bonzinho, romântico, que provavelmente nunca fez sexo na vida ou, quando faz, se apaixona pela primeira que vê pela frente. Toda mulher conhece um cara assim: é aquele melhor amigo da escola, completamente inofensivo, a quem chamam de irmãozinho.
Sam, a versão masculina de Samantha, também é fácil: é o homem típico, garanhão, conquistador, que jamais perde uma chance de levar uma mulher pra cama e jamais perde uma transa. Alguém mais preocupado com a própria satisfação do que com a da parceira. O tipo de homem que as mulheres abominam, claro que depois de terem ido pra cama com ele.
Marcos, nosso Miranda, é o cara obcecado com trabalho, cínico e sarcástico. Não confia e não acredita nas mulheres, acha que elas sempre querem alguma coisa dele. Como seu trabalho e sua carreira são a coisa mais importante de sua vida, as mulheres só tem uma serventia: sexo.
E, finalmente, Caio, a Carrie deste mundo bizarro. Caio é jornalista, adora brinquedos eletrônicos (a versão masculina dos sapatos), vive tentando entender o sexo oposto mas nem por isso deixa de ir pra casa acompanhado. Vibra toda vez que conhece uma garota legal, mas não perde jamais uma noitada com os outros três amigos.
E sobre o que seria o universo desses quatro amigos? Mulheres, claro. Falar sobre elas. Tentar entendê-las. O desejo, honesto e sincero, de conhecer uma garota legal, com quem vale a pena ficar, entremeado por todas as tentativas frustradas com as mulheres mais erradas possíveis, a imensa maioria, por sinal. Em meio a tudo isso, sexo, sexo e mais sexo. Um pouquinho de solidão, talvez, o que não chega a ser nada diante da certeza de que nada vale mais para um homem do que seu grupo de amigos, certamente algo muito melhor do que qualquer mulher que possam conhecer na noite.
Soa um tanto quanto machista, fala a verdade. E não pára por ai. Vamos começar com Stella, a versão feminina de Stanford. Não seria gay – ao contrario das mulheres, os homens não costumam ter uma lésbica como melhor amiga. Assim, Stella seria aquela garota feinha que você não consegue empurrar pra nenhum dos seus amigos, que já teve uma queda por você mas felizmente superou. É quem te ajuda a tentar decifrar a psicologia feminina, ainda que não seja de muita ajuda porque nem ela entende direito.
Vejamos, como seria a versão feminina de Aidan, Ana? Ela é aquela garota legal, não especialmente bonita mas muito, muito legal. Adora ficar em casa com você, e com certeza é a nora que sua mãe pediu a deus – a mulher perfeita pra te tirar do mau caminho. Carinhosa, amorosa, doce, um doce de pessoa. Dava pra fazer um bolão sobre quanto tempo ela ia levar pra levar um chifre. É a mulher perfeita pra passar o resto da vida, é verdade, por isso mesmo só é bom ficar com ela depois de já ter se vivido de tudo.
E, certamente, a versão feminina de Big, apropriadamente chamada de A Boa. A Boa é modelo, claro. Vinte e poucos anos. Rica, linda, freqüenta as rodinhas mais quentes, e, é claro, sempre está disposta ao sexo mais fenomenal. É aquela mulher que você apresenta pros amigos pra deixá-los morrendo de inveja. E eles morrem. Claro que a Boa não é perfeita. Como vive viajando, nem sempre está ao seu lado quando você precisa. Independente, não quer ser vista como “a namorada”, por isso às vezes tem a tendência de sumir. Dificilmente faria a linha “mãe de seus filhos”, mas, e daí? Sempre que aparecesse, você correria direto pra ela. Parece familiar, não?
As demais personagens femininas, participações especiais destinadas a um ou poucos capítulos, representariam o essencial das fantasias e medos masculinos. A garota que quer se casar após o primeiro encontro. A lésbica dividida, pronta para ser recuperada. A garota que chora toda vez que transa, ou que tem um monte de bichinhos de pelúcia em sua cama, ou que não consegue atingir o orgasmo de modo algum. A adolescente (ok, dezoito aninhos) que adora homens mais velhos. A coroa enxuta. A atleta que acorda às seis da manhã para malhar e quer te levar junto. Ou a que quando sai com você só fala do ex-namorado, de quem acabou de se separar. Os exemplos são infindáveis, e nem estou me esforçando tanto assim – só buscando equivalentes ao que já assisti em Sex and the City. Quando o assunto é sexo, os assuntos são infindáveis.
Já posso escutar os protestos intermináveis das feministas de plantão. Uma série assim machista e preconceituosa jamais teria lugar nos dias politicamente corretos de hoje. E, mesmo assim, se é com mulher, pode... francamente, me parece um seriado muito mais viável do que sua versão feminina. Primeiro, porque é muito mais provável que exista um grupo de amigos homens assim do que suas equivalentes glamurizadas. Quem matou a charada foi outro amigo meu, que é gay e, claro, adora o seriado: elas na verdade não são quatro mulheres. São quatro bichas. Não é à toa que todo episódio gira em torno de levar um homem pra cama. Ele foi mais além, demonstrou pra mim como cada uma dessas mulheres equivale a um tipo especifico de gay. Faz sentido.
Eu já continuo apostando numa versão masculina. Se alguém se animar a fazer um seriado assim, é só me chamar.
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5 comments:
Que tal um update?????????????????????????????????
Muito bom seu texto Rene!
Parabéns!!!
Ri muito!
Bom dia.
Gostaria de conversar contigo sobre um outro blog seu. Por gentileza, entre em contato.
Por acaso tu escreve para a revista Gloss?Ou escreveu uma matéria chamada "Visão de Macho" ?
se sim eu gostaria de te mandar um email, mas infelizmente não o tenho, então me manda um luisapotrich@hotmail.com
Obrigada
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